quinta-feira, 16 de junho de 2011

O gato dentro de mim II


M. Dupont White*

                        Gatos são animais espertos. Quando querem comida, carinho ou atenção, eles desfilam na nossa frente e chamam nossa atenção rolando as costas no tapete ou diretamente sobre o chão. Abrem as quatro patas e esperam que você se achegue com as mãos para lhe fazer carinho na barriga. Quando você é cativado por aquele gesto gracioso é pego numa armadilha: ele lhe morde. Sim gatos mordem. Ou melhor, beliscam com os dentes. Beliscam suavemente, deixe-se bem claro. É um sinal muito esclarecedor: ou não querem que você faça carinho ou, ao contrário, querem que você não pare tão cedo. Às vezes nem o dono entende essa linguagem tão refinada...
                        Essa fama de espertos lhe valeram o estigma negativo de interesseiros. Mas os gatos não são como cães, esses animais que só sabem babar, latir e pular em você mesmo que você os chute longe. Gatos têm memória. Cães não sofrem desse mal. Quando roçam com o pescoço em sua perna, saiba, querem algo. Pode até ser carinho, mas na maioria das vezes, é comida mesmo. Tive um gato, certa feita, que ele amassava pão. Bem, não exatamente pão, mas blusa. Todas as noites ele pulava no meu colo, colocava as patinhas dianteiras na minha barriga e as pressionava, uma de cada vez, como se estivesse preparando a massa do pão.
                        Gatos têm memória. Eles sabem que os alimenta, mas também sabem que os mal-tratam ou quem deles faz pouco caso. Os gatos, por isso mesmo, têm uma inteligência prodigiosa, onde o instinto felino é muito menos influente que seu livre arbítrio. Quando não querem nada com você, simplesmente se distanciam. Quando estão enfezados, fogem, se escondem.  Isso me faz lembrar um gato persa chamado Rouge. Não sei porque lhe deram esse nome até hoje, seu pêlo era cinza amarronzado e seus olhos em tom ocre eram extremamente charmosos. Ganhamos Rouge de umas senhoras que se mudaram de casa para um apartamento e acharam que o pobre bichano sentiria falta da terra e das plantas de um quintal. Ele foi meu primeiro gato.
Não era um gato qualquer, era charmoso. Mas aquela pelagem toda dava um trabalhão para pentear, até que um belo dia, entre um telhado e outro da vizinhança, ele pega uma daquelas coceiras terríveis que nada fazia parar. Não havia jeito, levei-o para a tosa. Ele ficou horrível. Foi-se o charme, foi-se a panca de gato de raça. Era um bicho magro, pelado, com um cabeção enorme. O fato é que, depois da tosa (necessária, por certo), ele ficou uma semana sem se aproximar de mim. Pois gatos têm memória. E também guardam rancor. Às vezes é preciso reconhecer que os gatos são mais humanos que os cães.

*M. Dupont White  vive em Paris com seus gatos. O texto foi traduzido por Marcelo Batuíra Losso Pedroso.

Um comentário: