quarta-feira, 22 de junho de 2011

O gato dentro de mim III

M. Dupont White*

Quando se tem um gato a primeira coisa para se saber é que você não é o dono dele e sim o contrário. Sua casa não é mais sua casa, mas a casa dele. Não adianta dizer que você é o macho dominante e aquela ladainha toda que só é aplicável à matilha de cães. Gatos não são cães. Graças a deus. Há quem os chamem de bolas de pêlo. Mas eles são, de fato, um pouco mais do que isso. Têm instintos e sabem se defender.
Quando era jovem e ainda não tinha um contato mais próximo com esses felinos, conheci o extinto de uma gata persa cinza (absolutamente domesticada até ter seus filhotes, quando se torna incrivelmente selvagem). Era na casa de um de meus amigos e ele me chamara justamente para ver os filhotes que acabaram de nascer. Não eram gatos, eram ratos. Feios e sem pêlos. Talvez o que eu vi de mais feio na vida. Zelosa por sua cria a gata não nos deixa aproximar-se da ninhada, a qual estava escondida atrás de um sofá.
Aquela gata boazinha e simpática que ronronava virou um animal dotado de instintos e diante da ameaça de qualquer aproximação não hesitava em sibilar (para leigos em gatos: é aquele barulho que o gato faz ao mostrar seus dentes em posição de defesa). O local para a guarda dos filhotes não se mostrava seguro o suficiente, foi o que aquela mãe-gata concluiu. De um em um, carregava pelo cangote cada um dos filhotes e levava-os para o andar de cima da casa, mas não se sabe para onde exatamente, pois a manobra era cuidadosamente feita enquanto não olhávamos. No final da tarde todos os filhotes haviam desaparecido.
Até hoje a garra e o instinto de preservação de sua cria me impressionam. Nós animais racionais não fazemos pelas nossas crias o que essa gata foi capaz de fazer pela dela. A cena, então observada de longe, da gata subindo as escadarias brancas da casa carregando um gatinho pela boca mordendo-lhe o cangote poderia parecer-nos cruel. Mas era como ela lidava com eles. Gatos não são ingênuos como cães, são ariscos, são precavidos e astuciosos, qualidades que raramente vemos nos profissionais de hoje em dia. Às vezes essas qualidades são erroneamente rotuladas de individualistas e egoístas, mas, na verdade, são elas que tornam possível que a vida continue e progrida.
Aqueles gatinhos ficaram sumidos por mais de uma semana, até que a dona da casa, já preocupada, encontrou-os dentro de seu armário de roupas, lá no fundo, onde ninguém pudesse ameaçá-los. Isto não é só instinto felino, é uma verdadeira estratégia de ação. Talvez seja por isso que o gato se apossa de nossa casa e nós é que nos tornamos, pouco a pouco, as visitas.


*M. Dupont White  vive em Paris com seus gatos. O texto foi traduzido por Marcelo Batuíra Losso Pedroso.

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