quinta-feira, 14 de julho de 2011

O gato dentro de mim IV


M. Dupont White*

Não é tão fácil se apegar a gatos. Eles são animais arredios que têm o hábito estranho de roçar nossas pernas, com uma intimidade que nunca lhe demos. Quando estão no cio então, produzem miados estranhos, em tons graves e profundos que chegam a assustar quem nunca ouviu. Quando são pequenos miam a todo instante, seja por fome, seja por carência, seja porque não se conformam de terem uma área limitada na casa.
A primeira vez que vi aquela gata branca fiquei um tanto chocado, pois ela não tinha rabo. Era um filhote de fêmea siamesa. Gatos, via de regra, têm rabo. E rabos lindos, peludos; utilizam-o como verdadeira forma de comunicação. É pelo movimento do rabo que percebemos o estado de espírito do gato. Mas aquela siamesa não tinha rabo. Era um presente em uma casa que já possuía o Rouge, devidamente adaptado e aclimatado. Ele, muito embora castrado, não a aceitou completamente de início. Houve um período que poderíamos chamar de “probatório”. A gata passou no teste e foi admitida na casa. Faltava-lhe, contudo um nome.
A parte de atribuir nomes a animais é a melhor parte. É aí que damos azo à criatividade. Soube que no Brasil, um desses deputados que não tinham mais o que fazer, resolveu criar um projeto de lei que proibia aos proprietários de animais domésticos de batizá-los com nomes próprios de pessoas. Ainda bem que o projeto de lei não foi sequer colocado em pauta de votação. É incrível como muitos países, cuja tradição da codificação napoleônica é predominante, ainda acreditam que a promulgação de uma lei possa ser o remédio para todos os males...
Essa gata era tão “selvagem” que conseguiu caçar um pardal em pleno vôo. Não preciso contar como foi a cena, poupá-los-ei dos detalhes mais sanguinolentos. Telhados e muros eram para ela meras passarelas. Mas quando a noite caía, lá estava ela a miar na porta de vidro da entrada, a pedir licença para dormir dentro de casa no conforto das almofadas do sofá. Era um tempo em que gatos não comiam ração como hoje, mas aquela comidinha carinhosamente preparada por nós: carne moída (sempre crua) com arroz. E ainda era o tempo em que se dava leite para gatos (não sei de onde veio esse mito de que o leite faria bem aos gatos).
Quanto me sentava na poltrona para ver o noticiário, lá estava ela a pular no meu colo e amassar a blusa como se fosse massa de pão. Quando se aquietava, ronronava. Esse é o grande enigma dos gatos: como fazem isso? Como produzem esse som estranho e contínuo, que nos indica calma e confiança?  É um mistério, como muitos outros na natureza.


*M. Dupont White  vive em Paris com seus gatos. O texto foi traduzido por Marcelo Batuíra Losso Pedroso.

Um comentário:

  1. já tive uma gata que tinha o rabo torto, tipo um anzol, e as vezes ela enroscava em galhos bifurcados. rsrssrsrsr

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